quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Sobre a polêmica da "oficina de siririca e chuca" na Universidade Federal do Amapá

   Alguns amigos me deram como tema uma suposta oficina de siririca e de chuca que haveria na Universidade Federal do Amapá - UNIFAP, agora em dezembro, tendo a discussão como cerne não a abordagem ou não abordagem da sexualidade, mas sim a utilização de recursos públicos para falar de siririca, chuca, punheta ou seja lá o que for. Fiquei relutante, entre outros motivos, por correr o risco de cair na velha pegadinha do "vamos polemizar pra conseguir uma divulgação gratuita, já que o pessoal do contra certamente vai meter o pau e aí nós aproveitamos para vender nosso peixe, chamar os críticos de fascistas, seguidores do Bolsonaro, burros e muitas outras coisas", mas já falei tanto disso por aí e pelo Facebook que vou ter que condensar tudo aqui.
   Então, primeiramente, de 09 a 11 de dezembro próximo, a UNIFAP estará sediando a terceira edição do Simpósio Sobre Gênero e Diversidade, cujo tema deste ano é "educação para diversidade, novos movimentos sociais e feminismos". Juntamente com ele ocorrerão o II Colóquio de Comunicação e Artes: Políticas do corpo (promovido pelo Departamento de Letras, Comunicação e Artes) e o I Seminário sobre Gênero e Diversidade na Escola (pertencente à Especialização Sobre Gênero e Diversidade).





   Até aí "tudo bem", as aspas se devendo à constatação de que é mais um espaço destinado a um gueto, ficando explícito que a "diversidade" em questão deve ser entendida muito mais como "desacordo, oposição", não como "qualidade do que é diferente, variado; variedade", pois, se assim o fosse, a abrangência da abordagem seria tamanha que pegaria toda a sociedade, não apenas parte dela, como se pode ver pela programação, já devidamente atualizada. Enfim, o que causou toda a polêmica foi o print a captura de tela da programação do pré-evento, cuja abertura se daria com uma... Oficina de siririca e chuca!



Eis o print a captura de tela compartilhada pela página "Loira Opressora".
Como é possível ver, nenhuma outra informação constava além do horário, data e título.


   Para quem não sabe, siririca é uma palavra oriunda do tupi siri'rika, sendo utilizada para designar o peixe betara (Menticirrhus americanus) ou um tipo de anzol, segundo o Dicionário Priberam, que também informa que a mesma palavra tem origem obscura e, enquanto adjetivo de dois gêneros, significa "tonto, doidivanas", ao passo que, como substantivo, designa a masturbação feminina. O Dicionário Aulete, por sua vez, diz o seguinte:


Siririca
(si.ri.ri.ca)
a2g.
1. SP pop Doidivanas, tonto; sem modos; piririca.
sf.
2. Bras. Espécie de anzol.
3. RJ Ornit. Denominação dada à fêmea do bem-te-vi.
4. Bras. Vulg. Masturbação no órgão sexual feminino.
5. Ict. O mesmo que betara.
[F.: Do tupi sirï'rïka. Hom./Par.: siririca (fl. de siriricar)]

Tocar siririca
1. Bras. Tabu Masturbar(-se) (mulher) usando o dedo.


   Enquanto Nicolas Timoshenko (2008), do Rio Grande do Sul, disse tudo isso no Dicionário Informal, acrescentando apenas que a tradução da palavra tupi seria "a ondulação leve da superfície das águas".
   A chuca, por sua vez, é uma denominação dada dentro do vocabulário bajubá [1] para o enema, instrumento utilizado, entre outras coisas, para a lavagem anal usualmente feita por praticantes passivos de sexo anal antes do mesmo, visando a "não passagem de cheque" [2], todavia, qualquer um percebe que atualmente o termo já foi estendido para a prática da lavagem em si. Quanto à origem do nome, não encontrei referências, mas penso ser possível que o mesmo deve ter se originado de forma onomatopeica pela relação com a água e ao ato de lavar, vide "chuá", ou por associação com outros termos relacionados à higiene, como "(banho) tcheco", entre outras possibilidades.





   Agora, retornando à polêmica, existe algum problema em se falar sobre tais coisas? Obviamente que não, mas, embora com toda certeza algumas pessoas tenham visto problema no assunto em si, as questões referentes ao ocorrido são: 1) uma vez que uma oficina é constituída por uma parte teórica e outra prática, como diabos se daria a supracitada oficina? Haveria uma explanação acerca do que é a siririca e a chuca e de como fazer tais práticas, seguida de uma seção prática onde as inscritas "tocariam uma" e os inscritos usariam a chuca, tudo sob a orientação, supervisão e até mesmo uma mãozinha dos ministrantes da oficina? 2) Por qual motivo haveria necessidade de realização de tal atividade por um departamento de uma instituição de ensino pública, utilizando-se, portanto, recursos públicos para algo que aparentemente não possui qualquer finalidade acadêmica? Lembrando que não havia qualquer informação sobre a oficina que não fosse o horário e o título da mesma.





   Segundo a nota de esclarecimento publicada pela comissão organizadora na sua página no Facebook, a atividade em questão sempre foi uma roda de conversa informal e que: "O pré-evento está agora intitulado por RODA DE CONVERSA CHUCA E SIRIRICA: UM DIÁLOGO SOBRE O CORPO, INTERDIÇÕES E DESCOBERTAS. E o mudamos para evitar a má interpretação que vem ocorrendo".





    Concluindo-se que a intenção desde o começo foi polemizar, visto que, se o pré-evento sempre foi uma roda de conversa, por qual motivo o intitulariam como "oficina"? Não quero - e a sociedade em geral também, imagino - acreditar que estudantes de universidade federal não saibam diferenciar uma "roda de conversa" de uma "oficina", o que nos leva a outro ponto: Não houve má interpretação alguma e é muita sacanagem - para não dizer outra coisa - jogar a responsabilidade do ocorrido para quem sabe que uma oficina tem partes teórica e prática e questionou a atividade QUE NÃO TINHA NENHUMA OUTRA INFORMAÇÃO ALÉM DO HORÁRIO E DO TÍTULO! Seria como divulgar um "minicurso de primeiros socorros" e esperar que as pessoas saibam que se trata, na verdade, de um curso de seis meses de duração sobre cinema contemporâneo.
   Então, uma organizadora do evento em questão - que tenho adicionada - comentou numa das minhas postagens sobre o assunto, dizendo que a palavra "oficina" teria sido colocada erroneamente no site da universidade federal em questão e que desde o início o pré-evento era uma roda de conversa, bem como que não houve a intenção de causar polêmica e que o evento não requer nenhum recurso da supracitada instituição de ensino superior:





   Ou seja, se realmente não houve intenção de causar polêmica, teria sido isso uma tentativa de sabotagem? Isso é sério. Estão apurando o ocorrido? Já identificaram o responsável e tomaram as medidas cabíveis? Impossível alguém trocar "roda de conversa" por "oficina" e não colocar mais nenhuma informação apenas por desatenção...



Verdade seja dita, oficinas de siririca não são novidade, mas, pelo visto,
intitular "rodas de conversa" como "oficina" também não é nenhuma novidade,
tampouco um caso isolado... 

   Quanto à utilização dos recursos, esse é um ponto que o povo que está organizando o evento e os seus simpatizantes parecem não ter entendido muito bem. Muitos (talvez todos) dos que criticaram ou criticam o pré-evento a partir do nome inicialmente constante no site não se referem a dinheiro público diretamente dado para a organização, como forma de patrocínio, por exemplo, mas sim ao fato de que o evento e o seu pré-evento estão relacionados a um departamento de uma universidade federal, a qual não foi construída e é (parcamente) mantida com verba privada! A utilização do dinheiro público se dá indiretamente em absolutamente tudo o que uma universidade pública venha a fazer ou deixar de fazer. Mas... Qual o problema de se fazer um evento e pré-evento desses?
   Teoricamente, nenhum, a questão sendo "por que diabos esses eventos parecem só ocorrer se atrelados a alguma instituição de ensino superior pública?" Qual a necessidade disso? Os movimentos sociais dos quais tais assuntos constituem a pauta não possuem capacidade para organizar tais eventos e pré-eventos por conta própria e sem emparelhamento dos mesmos a uma instituição pública?
   O evento em si até daria para entender, caso ele se relacionasse com os cursos em questão e às discussões dentro dos mesmos, o que, julgando pela programação e pelos nomes das atividades, parece não ocorrer, tendo em vista a pouca atividade acadêmica em si, a mesmo parecendo estar concentrada na sexta-feira, nos minicursos e na segunda mesa redonda - as demais atividades todas tratando mais de coisas referentes a movimentos sociais do que a coisas científicas.
   Quanto ao pré-evento, ele é apontado pela própria organização como informal e desprovido de certificação acadêmica, o que significa dizer que qualquer grupo de pessoas poderia fazê-lo, em qualquer tempo e espaço, até mesmo uma vez por mês, em caráter presencial ou virtual  - e isso leva a outras questões: Por que não fazem? Por que essa dependência de instituições públicas? Por que isso não é feito de modo a abranger toda a sociedade além dos dois grupos tradicionalmente abrangidos por atividades congêneres, de modo que se tenha uma real "diversidade", no sentido de "variedade"?
   Por fim, noutro comentário da mesma organizadora, ela toca num ponto que vem sendo repetido em diversos cantos por vários simpatizantes da oficina-que-nunca-foi-oficina-mas-que-teve-o-nome-mudado-para-evitar-más-interpretações:





   O "print descontextualizado". Isso vem sendo usado, inclusive, para criticar o texto do Reinaldo Azevedo, da Veja, sobre o assunto, mas... Onde está a descontextualização? O fato de um evento ser sobre isso ou aquilo não faz com que um título dado a uma atividade passe a ter significado completamente diferente do de suas palavras! Não havendo qualquer informação sobre o pré-evento além do horário, data e título "oficina de siririca e chuca", vai se pensar o quê exatamente? Que outra interpretação poderia ser feita além da que foi feita? Isto é: "é para isso que os impostos pagos pela população são destinados, para que uma universidade federal promova uma oficina de masturbação feminina e de lavagem intestinal"?
   E digo mais, considerando diversos comentários feitos por simpatizantes no sentido de que não se deve questionar isso ou que o que importa é a finalidade do evento, bem como que "vai quem quer", gostaria de saber onde diabos vem essa noção de que a população não-acadêmica não possui qualquer direito de questionar o que é feito dentro da academia, de concordar ou discordar? Ela tem que aceitar calada e cabisbaixa tudo o que lá é feito direta ou indiretamente com os recursos dela extraídos? Jamais pensei que um lugar de iluminação pudesse comportar tamanho autoritarismo, ainda mais de quem se diz contra o mesmo...





NOTAS

[1] Também "pajubá", uma variante do Português que é falado pela comunidade LGBT (ou parte dela), ou seja, é um dialeto, não uma língua.

[2] Em pajubá, "cheque" é o mesmo que "restos de fezes que borram a cueca ou o órgão sexual do parceiro", de modo que "passar cheque" é o mesmo que "sujar de fezes a cueca ou o órgão sexual do parceiro".





REFERÊNCIAS

AULETE, Dicionário. Siririca. Disponível em: <http://www.aulete.com.br/siririca>. Acesso em: 24 Nov 2015.

Aurélia: o primeiro dicionário gay do Brasil. Disponível em: <https://gepss.files.wordpress.com/2011/04/aurelia.pdf>. Acesso em: 24 Nov 2015.

AZEVEDO, Reinaldo. No Amapá, dinheiro público financia "oficina de siririca e chuca". Publicado em: 24 Nov 2015. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/no-amapa-dinheiro-publico-financia-oficina-de-siririca-e-chuca/>. Acesso em: 24 Nov 2015.

COUTO, Douglas. Recepção de calouros tem "oficina de siririca" na Ufop. Publicado em: 16 Set 2014. Atualizado em: 17 Set 2014. Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/noticias/2014/09/16/recepcao-de-calouros-tem-oficina-de-siririca-na-ufop.htm>. Acesso em: 25 Nov 2015.

PRIBERAM, Dicionário. Siririca. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/siririca>. Acesso em: 24 Nov 2015.

TIMOSHENKO, Nicolas. Siririca. Publicado em: 01 Out 2008. Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/significado/siririca/836/>. Acesso em: 24 Nov 2015.

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